Formas de vida curiosas e ecossistemas atípicos: essas são algumas ideias que temos sobre planetas distantes. Mas conhecer de fato o que se passa em planetas que orbitam outras estrelas da Via Láctea e de outras galáxias – mais especificamente, em planetas semelhantes ao nosso – tornou-se uma expectativa viável com o desenvolvimento de um pente de frequências laser (Laser Frequency Combs, ou LFC) para aplicações em astronomia. O dispositivo, desenvolvido com a participação de cientistas brasileiros, foi recentemente instalado no Observatório de La Silla, no Chile.
Ele agora faz parte do espectrômetro HARPS (acrônimo para High Accuracy Radial velocity Planet Searcher), um dos instrumentos fundamentais do telescópio do observatório, considerado até agora o principal ‘caçador de planetas’ baseado na Terra. O LFC completou com destacado sucesso sua fase de testes, em abril de 2015, atingindo precisões que ultrapassam em muito os limites de detecção conhecidos até então.
Para a concretização do projeto, três instituições trabalharam em conjunto: a Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), o Instituto de Astrofísica de Canárias, da Espanha, e o Observatório Europeu do Sul (ESO, na sigla em inglês). Este é o primeiro projeto instrumental do ESO em parceria com uma universidade brasileira.
O LFC deriva dos estudos sobre espectroscopia de alta precisão – pesquisa laureada com o Nobel de física de 2005 – e constitui, na prática, um espectro de radiação gerado por um laser. A projeção forma uma série de linhas finas, discretas e igualmente espaçadas, lembrando a imagem de um pente de cabelos.
“A ideia central para aplicações de um pente de frequências laser em astronomia é utilizá-lo como uma espécie de régua, com a qual se possa medir espectros de objetos astronômicos com uma precisão sem precedentes”, conta José Renan de Medeiros, astrônomo na UFRN e um dos brasileiros envolvidos no projeto.
Buscas mais sensíveis
Atualmente, o método mais utilizado para encontrar exoplanetas é a medição da variação da velocidade com que uma estrela se movimenta em relação ao observador, o efeito Doppler da luz, por assim dizer. Essas variações são causadas pela interação gravitacional entre a própria estrela e os planetas em sua órbita. Com base nesses dados, os cientistas conseguem informações sobre a presença e as características dos planetas, mesmo sem conseguir observá-los diretamente. A adição do LFC ao espectrômetro do HARPS representa um avanço significativo na busca de novos planetas, pois permite detectar frequências menores de oscilações ao redor de estrelas, mais parecidas com a frequência gerada pela Terra.
“Para conseguirmos encontrar um exoplaneta similar ao nosso, orbitando uma estrela como o Sol e possuindo aproximadamente a mesma distância orbital, necessitamos de uma precisão de nove centímetros por segundo”, explica Medeiros. “Com o LFC, mesmo na fase de testes, conseguimos precisões quase quatro vezes melhores, em torno de dois centímetros por segundo”.
Uma nova fase de testes está prevista para acontecer em novembro e, após esse período, o instrumento será liberado para o uso da comunidade científica internacional. Além da busca de novos planetas, o LFC possui aplicações em outros campos da ciência. “Os pentes de frequências laser apresentam grandes desdobramentos e aplicações tecnológicas, entre os quais a espectroscopia de alta-precisão em sistemas atômicos, a detecção ultrassensível de moléculas, os relógios atômicos e inúmeras aplicações em metrologia ótica de uso industrial”, aposta o astrônomo.
Daniel Varela Magalhães, físico e engenheiro eletricista da Universidade de São Paulo, campus São Carlos, atesta as vantagens do novo dispositivo. “O pente de frequências laser reduz muitas dificuldades na caracterização de espectros remotos. Ele nos dá o poder de usar um laser numa frequência e compará-lo com outra fonte de luz, mesmo que em diferentes regiões espectrais”, explica. “Olhar espectros com cada vez mais resolução e definir desvios cada vez menores de frequência também nos possibilita medir possíveis variações de constantes físicas que estariam ligadas à expansão do universo”.
Fonte: Ciência Hoje
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